Não deveria ser motivo de surpresa o anúncio, feito na linguagem cifrada do Banco Central, de que o cumprimento da meta de inflação está adiado para um futuro incerto. Trata-se, afinal, da prática seguida desde 2011.
Mas há novidade, sim, em torno do comunicado do BC desta quarta (21/10), quando se decidiu manter a taxa de juros em 14,25% anuais, a despeito da piora inflacionária.
"A manutenção desse patamar da taxa básica de juros, por período suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante da política monetária", diz o documento.
Inflação
As expectativas para 2016 aumentam continuamente, sem que o BC aja (Projeção central para o IPCA, em %).
O ineditismo não está no texto, que repete expressões adotadas nos últimos anos de hesitação entre fazer o essencial para reduzir a inflação a 4,5% ao ano —elevar os juros— e o temor de deprimir ainda mais a economia.
"Período suficientemente prolongado", por exemplo, significa todo o tempo que se possa aguardar até a tomada de uma decisão. "Horizonte relevante", como se nota em atas de reuniões passadas, é algo como dois anos.
Interpretou-se, portanto, que o BC desistiu da promessa, tornada pública no final de 2014, de fazer o necessário para atingir a meta inflacionária em 2016; a "convergência" ficou para 2017.
Desta vez, entretanto, a procrastinação acontece sob um novo contexto: as dúvidas não se limitam mais à determinação e à autonomia do BC; agora, a discussão é se a tarefa está a seu alcance.
Ou, em outras palavras, se uma alta adicional dos juros, já exorbitantes, seria eficaz em conter os preços —ou, até, se produziria o efeito oposto.
Dívida
Com o ajuste fiscal empacado, a dívida pública está em alta acelerada (Segundo estimativas do FMI, em % do PIB)
Estáveis até o final de agosto, as expectativas de investidores e analistas para a inflação de 2016 saltaram, nas últimas semanas, de 5,5% para 6,1%, e a tendência ainda é de aumento. Mesmo assim, o BC ficou imóvel.
Ao menos parte da explicação é que a piora das previsões foi impulsionada pela escalada das cotações do dólar, fenômeno global pelo qual a política de juros não tem responsabilidade.
Elevar os juros é eficaz para dificultar o crédito e o consumo; para segurar o encarecimento de produtos importados, não. Por isso, subir as taxas para reduzir uma inflação contaminada pelo câmbio seria impor um sacrifício exagerado ao país.
Uma hipótese mais assustadora passou a ser debatida por acadêmicos e operadores: as contas do governo já teriam se degradado a ponto de tornar o BC impotente.
Por esse raciocínio, uma alta dos juros agravaria a disparada da dívida pública; com medo de calote, investimentos migrariam dos títulos federais para o dólar, cujas cotações subiriam ainda mais, alimentando a inflação.
Na teoria econômica, chama-se tal situação de dominância fiscal. A experiência, incluindo a do Brasil nas décadas de 1980 e 1990, mostra que um endividamento público insolúvel pode acabar em hiperinflação.
Dólar
O diagnóstico para o presente está longe de ser consensual entre os economistas. O Banco Central, inclusive, indica que uma alta futura dos juros não está descartada ("a política monetária se manterá vigilante", afirma o comunicado).
De concreto, porém, a política monetária é refém da fragilidade do governo Dilma Rousseff, incapaz até agora de aprovar no Congresso um ajuste orçamentário que dê previsibilidade à dívida pública. É o que o ex-presidente do BC Gustavo Loyola chama de "dominância política".
Fonte: Folha de S.Paulo