Publicado em: 05/07/2016 |
Se para crianças e adolescentes mais novos dormir fora de casa já é considerado um grande passo, de uns tempos para cá os acampamentos de férias estão proporcionando uma experiência bem mais radical: ficar dias –ou semanas– praticamente sem contato com os pais. Em outras palavras, sem o celular.
Como no dia a dia o aparelho mantém pais e filhos sempre conectados, a separação é desafiadora para os dois lados, mas vem sendo encarada de modo positivo até pelas crianças, que deixam também de ter acesso a jogos, músicas e trocas de mensagens com os amigos.
Não que proibir celulares seja algo exatamente novo, mas hoje a dependência desses aparelhos é bem maior, em grande parte por causa da troca de mensagens em aplicativos como o WhatsApp.
A medida visa estimular a autonomia e facilitar a socialização –afinal, não é para isso (também) que servem os acampamentos? Os estabelecimentos reconhecem, ainda, que a proibição busca evitar confusões causadas pelo acesso imediato aos pais e o uso impróprio do aparelho.
O psicólogo Izidoro de Campos Luiz, proprietário do Acampamento dos Pumas, em Pindamonhangaba (SP), tem na ponta da língua as razões para o veto.
"O acampamento é educacional, serve para as crianças ficarem mais independentes, criarem vínculos entre si, lidarem com a saudade, o que o celular não permite", diz.
Segundo Luiz, com o celular em mãos as crianças pedem socorro aos pais ao menor sinal de conflito ou desconforto. "Já tivemos pai que veio de Goiânia de madrugada buscar o filho porque o menino estava rouco", diz.
Apesar da proibição, todos os acampamentos oferecem alguma forma de contato entre pais e filhos. Em alguns deles, como o Sítio do Carroção, em Tatuí (SP), as crianças (a maioria de 9 a 12 anos) podem ligar para casa e receber telefonemas no local.
Segundo a equipe do acampamento, que atende 800 crianças nos meses de férias, tanto os pais quanto os pequenos reagem bem à medida.
A maioria dos acampamentos divulga fotos das atividades, como o CISV, que oferece estadia no exterior para crianças a partir de 11 anos de idade. A comunicação com os pais é feita por intermédio do adulto responsável pelo grupo ou por carta, mesmo método usado no Pumas.
Até a ciência já mostrou que ficar longe das telas por uns dias é bom para as crianças. Um estudo publicado em 2014 no periódico "ScienceDirect" comparou 51 pré-adolescentes que passaram cinco dias em um acampamento sem acesso a celular, tablet, TV nem computador a 54 crianças da mesma série que mantiveram o uso regular de eletrônicos no período.
Por meio de testes, a pesquisa mostrou que as crianças que ficaram desplugadas adquiriram compreensão melhor dos sinais de comunicação interpessoal do mundo real, incluindo maior capacidade de ler expressões faciais, fazer contato visual e interpretar o tom de voz.
"O celular impede a socialização, olhar nos olhos, ouvir a voz. Isso faz parte do aprendizado com prazer, o que fortalece as memórias e as conexões cerebrais", diz a neurologista Liubiana Araújo, presidente do departamento de desenvolvimento e comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria. "A criança vai poder usar as ferramentas que adquiriu em outras situações."
A executiva de RH Laura Rezende Ribeiro, 40, é a favor das viagens sem celular, mas admite que fez um exercício de desapego quando Ana Clara, 10, foi para o acampamento. Já a garota adorou os sete dias de "detox". "Eu conheci as pessoas e me senti livre. Aqui toda hora tem alguém mandando mensagem", diz.
A neurologista sugere que a família converse com a criança antes da viagem, para demonstrar confiança nela e na equipe do acampamento e para dar orientações sobre como lidar com conflitos e tomar decisões.
Fonte: informações da Folha de S.Paulo