Publicado em: 27/12/2016 |
O comportamento favorável da inflação e a fraqueza da atividade econômica justificam a aceleração do ritmo de corte da taxa Selic para 0,75 ponto percentual em janeiro, diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital. Para o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), antecipar o ciclo de redução dos juros, com quedas mais fortes da taxa básica, é uma das armas para o país evitar um novo mergulho do PIB, ao lado do avanço da agenda microeconômica, para aumentar a produtividade da economia. Nas reuniões de outubro e de novembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou por baixar a Selic em 0,25 ponto, levando a taxa para 13,75% ao ano.
Na visão de Figueiredo, um corte de 0,5 ponto no encontro do Copom de janeiro "parece muito tímido", à luz dos últimos dados sobre a atividade e a inflação. "Com toda a surpresa que nós tivemos até agora, o 0,5 ponto [em janeiro] me parece mais duro que o 0,25 ponto da reunião anterior", diz ele, que destaca o fato de a nova gestão do BC ter conseguido ancorar as expectativas de inflação.
"O que nós estamos vendo em termos de surpresa inflacionária e de atividade mais fraca nos faz pensar que a aceleração pode ser maior que uma mudança de 0,25 para 0,5 ponto", avalia Figueiredo. "Nós achamos que ele pode fazer vários cortes de 0,75 ponto, e não apenas um. A discussão não é do tamanho do ciclo. A discussão é o quão mais rápido eu faço o mesmo ciclo."
Para ele, o ideal é que a Selic chegue próxima de 10% mais perto do meio do ano que vem. Se o BC agir desse modo, o economista acredita que o país correrá menos riscos do ponto de vista de atividade. "Do ponto de vista de inflação, nós estamos numa situação muito mais tranquila", afirma ele, projetando um IPCA de 4,3% no ano que vem.
O custo de acelerar as reduções da Selic é muito pequeno, diz Figueiredo. "Se ele levar os juros para a casa de 10% com cortes de 0,75 ponto, em vez de 0,5 ponto, a mudança em termos de inflação para 2018 é de 0,07 ponto percentual."
Para Figueiredo, o crescimento de 2017 deve ficar entre zero e 0,5%. Ele ressalta, porém, que no quarto trimestre do próximo ano é possível que haja expansão anualizada na casa de 2% na comparação com o terceiro, feito o ajuste sazonal. Nesse cenário, Figueiredo acha possível um avanço do PIB de 3% a 4% em 2018. Para isso, contudo, é fundamental evitar a surpresa do duplo mergulho da atividade. "Se tiver isso, compromete tudo para frente", observa ele, destacando o papel do endividamento de empresas e famílias na demora da recuperação da economia.
Figueiredo afirma que o país nunca teve uma "recessão tão longo e tão profunda", e que o país tem hoje um grande volume de crédito. "Essas três coisas juntas fazem a recuperação ser muito mais difícil", afirma ele. Para combater o risco do duplo mergulho, ele reitera a necessidade de acelerar os cortes de juros e também de fazer avançar a agenda microeconômica, que tem efeitos menos imediatos, mas contribuem para aumentar a capacidade do país de crescer a taxas mais elevadas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: O que ocorreu com a atividade econômica? Muitos analistas projetavam uma recuperação já no terceiro trimestre. Em vez disso, o PIB encolheu 0,8%, e a expectativa é de nova queda no quarto.
Luiz Fernando Figueiredo: Nós nunca tivemos uma recessão tão longa e tão profunda. Há também um terceiro componente que é um volume de crédito na economia que nós também não tivemos lá atrás. Essas três coisas juntas fazem a recuperação ser muito mais difícil. Quando se vê a confiança melhorando, como melhorou, supõe-se que a atividade virá junto, com alguma defasagem, mas ela virá. A questão é que esses três componentes somados fizeram com que isso não acontecesse.
Valor: Famílias e empresas estão muito endividadas, e o governo tem uma situação fiscal complicada. É uma recessão de balanço?
Figueiredo: Não tenha a menor dúvida. Há um processo enorme de gestão desses balanços. Como nós não paramos ainda de cair, na prática você nem estancou a ferida. As empresas estão tentando renegociar as suas dívidas, mas o faturamento não voltou a crescer - pelo contrário, ele continua caindo. O problema das empresas e das famílias continuou a aumentar. No momento em que você começa na margem a recuperar, as empresas passam a faturar mais e você começa, mesmo que lentamente, a reduzir o problema. Isso não ocorreu ainda. Do lado das empresas, a dívida tem um custo elevado. Como o faturamento caiu muito, a dívida cresce muito rápido em relação ao faturamento, em relação ao Ebitda [lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização] das empresas.
Valor: O sr. vê o risco de uma nova queda da atividade econômica, de um duplo mergulho?
Figueiredo: O que está ocorrendo hoje sugere que é possível. Não é o nosso cenário base, mas o risco de isso ocorrer cresceu. No entanto, existem hoje instrumentos para reduzir esse risco. São instrumentos no lado monetário e das medidas microeconômicas. No caso monetário, eles têm um efeito mais de curto prazo. Já as medidas microeconômicas têm impacto mais de médio prazo.
Valor: A inflação tem caído com mais força. Isso abre espaço para o BC acelerar o corte da Selic na reunião de janeiro para 0,75 ponto?
Figueiredo: Sem dúvida. Antes você tinha as projeções de inflação do BC no cenário de referência abaixo da meta, mas no cenário de mercado elas estavam acima. O que o mercado embutia de queda de juros não era possível ser feito, se não você não chegaria à meta. Isso não ocorre mais. O BC ancorou as expectativas e as projeções foram para um lugar que lhe dá conforto. Fora a questão da surpresa de curto prazo. Nos últimos quatro meses, a inflação foi 0,7 ponto percentual menor do que o BC e o mercado imaginavam. Não há dúvidas de que há motivos para intensificar. O que estamos vendo em termos de surpresa inflacionária e de atividade mais fraca nos faz pensar que a aceleração pode ser maior que uma mudança de 0,25 para 0,5 ponto. Achamos que pode fazer vários cortes de 0,75 ponto, não apenas um. A discussão não é do tamanho do ciclo. É o quão mais rápido faço o mesmo ciclo.
"Nos últimos quatro meses, a inflação foi 0,7 ponto percentual menor do que o BC e o mercado imaginavam"
Valor: Se o BC fizer vários cortes de 0,75 ponto, não há o risco de desancorar as expectativas?
Figueiredo: Não, porque, primeiro, ele já as ancorou e, segundo, ele está num processo de reagir a um ambiente que, do ponto de vista da política monetária, se tornou muito mais favorável. Se ele levar os juros para a casa de 10% com cortes de 0,75 ponto, em vez de 0,5 ponto, a mudança em termos de inflação para 2018 é de 0,07 ponto percentual. É muito pequena. Uma coisa importante é o seguinte. Digamos que o ciclo seja de 4 pontos percentuais. Se você acelerar no fim do ciclo, há vários riscos. Mas você acelerar no início do ciclo, faz todo sentido. Mesmo que você acelere e descubra ao longo do tempo que o ciclo é menor, ainda há muito espaço para fazer esse ciclo menor.
Valor: Se ele demorar para acelerar, o que pode ocorrer?
Figueiredo: O grande risco é você ter um undershooting [exagero para baixo] em termos de atividade, que vai gerar um undershooting em termos de inflação.
Valor: Qual a sua previsão para o IPCA em 2017?
Figueiredo: A nossa conta, para os 12 meses para frente, é sempre "bottom up". Nós olhamos cada um dos componentes para construir a inflação, muito mais do que uma modelagem a partir de dados macroeconômicos. Quando nós construímos esses próximos 12 meses, dada a enorme surpresa de um PIB mais fraco e a perspectiva de uma inflação de alimentos bastante mais baixa, o nosso número para o IPCA está em 4,3%.
Valor: Isso levando em conta uma Selic que chega a 10%?
Figueiredo: Isso considerando uma curva que a leve no fim do ano para perto de 10%, pode ser um pouco menos, um pouco mais.
Valor: Mas na sua visão o ideal é o BC levar os juros para a casa de 10% já mais perto do meio do ano?
Figueiredo: Isso, para nós corrermos menos risco do ponto de vista de atividade, já que do, ponto de vista de inflação, nós estamos numa situação muito mais tranquila.
Valor: O BC errou ao cortar os juros em 0,25 ponto em outubro e também em novembro?
Figueiredo: Quando você olha depois, é muito fácil julgar. O BC tinha uma missão muito correta que era ancorar as expectativas, e fez isso. E ele mesmo disse com toda razão que tem que responder ao que está ocorrendo, mas a base tem que ser a perspectiva de inflação ancorada. Isso ocorreu recentemente e ele conseguiu, então agora é que abriu o espaço para ele flexibilizar. É disso que nós estamos falando.
Valor: Cortar 0,5 ponto em janeiro será muito conservadorismo?
Figueiredo: Acho que 0,5 ponto, depois dos últimos dados, parece muito tímido. Com toda a surpresa que nós tivemos até agora, o 0,5 ponto me parece mais duro que o 0,25 ponto da reunião anterior.
Valor: O sr. gostou do pacote de medidas microeconômicas anunciado na semana passada?
Figueiredo: Eu gostei, achei que o pacote foi bem como o início de um processo de atacar o ambiente microeconômico, que nos últimos anos ficou absolutamente deteriorado.
Valor: É a agenda de melhorar o ambiente de negócios, aumentar a eficiência da economia?
Figueiredo: Em todos os sentidos. Essa agenda é muito relevante. Quando você olha as questões macroeconômicas, elas são mais visíveis. Muitas vezes parece que é só essa a questão. Mas não é. O ambiente microeconômico ficou muito ruim. Precisa ser atacado. O governo já deu vários passos e esse pacote anunciado na semana passada é mais um desses passos, mas tem muito para avançar ainda. E você pode tornar, através de uma agenda firme no lado micro, você pode sem dúvida melhorar muito a produtividade do Brasil. Isso quer dizer que o crescimento potencial aumenta, ou seja, a nossa economia pode crescer mais de modo sustentável do que cresce hoje. É necessário melhorar o ambiente macroeconômico, mas ao o ambiente microeconômico também é muito relevante.
Valor: Medidas como a possibilidade de renegociar dívidas com o BNDES e o programa de regularização tributária visam mais o curto prazo. Elas fazem sentido?
Figueiredo: Na verdade, há um problema que, enquanto as empresas, e as pessoas também, estão muito endividadas, todo o esforço é em reduzir esse endividamento, e às vezes o vencimento é muito de curto prazo. As empresas estão completamente sem fôlego. Como a atividade ainda não voltou a se recuperar, as empresas precisam ganhar um horizonte, precisam ganhar tempo. Essa questão é mais cíclica. Você tem um problema. Não pode correr risco prudencial, ficar flexibilizando muito regras de prudência, não é uma boa coisa. Mas tem que estimular o processo de renegociação.
Valor: Não houve medidas com características parecidas às que eram tomadas pelas gestões anteriores? São diferentes?
Figueiredo: Era um outro ambiente. No ambiente anterior, havia medidas até que tinham sentido, como aquelas regras prudenciais que foram colocadas no fim de 2010, se eu não me engano. Mas nós estamos falando de um governo que era irracional. Havia coisas boas e muitas coisas ruins. Um dos motivos pelos quais nós não estamos nos recuperando, e estamos nos surpreendendo com isso, é porque não havia a total noção de quão ruim a situação estava. Nós achávamos que estávamos 10 metros abaixo da linha d´água, e nós descobrimos que estamos 20 metros abaixo. Não é que nós não estamos melhorando, que não estamos subindo. A questão é que nós estamos subindo a partir de um ponto muito mais baixo.
Valor: Isso pode fazer com que o PIB seja zero em 2017?
Figueiredo: É possível. O nosso número está entre zero e 0,5%. Mas o PIB é uma média sobre média. O que é importante olhar agora, para ter o pulso mesmo do que está ocorrendo, é olhar trimestre contra trimestre e dessazonalizar, para saber se na margem o número está para cima ou para baixo.
Valor: Se o BC fizer a flexibilização monetária que o sr. sugere, a economia já chegará à segunda metade de 2017 num ritmo melhor?
Figueiredo: Acho que ajuda. Mas não tem bala de prata. É todo um processo. Há um processo de normalização da inflação e da política monetária e também uma normalização, uma melhora, do ambiente microeconômico, de negócios, de consumo e por aí vai.
Valor: Quanto o sr. espera de crescimento para 2018?
Figueiredo: Ele vai acelerar bem, até porque no quarto trimestre do próximo ano contra o terceiro trimestre, provavelmente vamos ver um crescimento anualizado de 2%, alguma coisa assim.
Valor: Deve haver herança estatística boa de 2017 para 2018.
Figueiredo: Sim. Falar de 3% a 4% em 2018 acho que é viável. Mas desde que nós não tenhamos a surpresa do "double dip" [duplo mergulho], porque se tiver isso compromete tudo para frente. Não acontecendo isso, o que vai ocorrer é o processo de digestão dessa alavancagem, principalmente das empresas, ao longo de 2017. Em 2018, as empresas vão estar muito mais tranquilas para investir e os consumidores para consumir e por aí vai. Mas isso depende de nós eliminarmos o risco do "double dip". Para isso, quais são os instrumentos que nós temos? Primeiro, antecipar um ciclo de corte de juros que vai nos levar aos 4,5% de inflação, sem problemas, levando os juros para 9,5% a 10%. O segundo ponto é avançar muito fortemente na agenda microeconômica.
"[A PEC] do teto é uma proposta em que o Estado resolve o seu problema sem invadir o espaço do setor privado no PIB"
Valor: E a questão fiscal? O governo aprovou a PEC do teto de gastos com tranquilidade. Agora o desafio é aprovar a reforma da Previdência sem diluir muito o projeto?
Figueiredo: Se você fizer uma reforma da Previdência "meia boca", terá que fazer outras mais para frente. E aí vai ter que aumentar impostos quase que obrigatoriamente. É possível reduzir lentamente o déficit primário se houver um horizonte lá frente que é muito bom. Mas se esse horizonte passa a não ser tão bom porque a reforma saiu enfraquecida, é necessário antecipar o ritmo de melhora fiscal de curto prazo.
Valor: O governo teria que acelerar o ajuste fiscal, aumentando impostos e cortando mais gastos?
Figueiredo: Ele precisaria fazer isso. Se não fizer, estaríamos aumentando a insustentabilidade.
Valor: A trajetória para a dívida é muito ruim...
Figueiredo: Sim, mas você está tratando do problema estruturalmente, então todos estão dando o benefício da dúvida - ou seja, vai demorar para sarar essa doença, mas há muita convicção de que isso vai ocorrer. No entanto, se você tiver muita decepção ou com a reforma da Previdência ou com o crescimento, que faz com que o déficit para frente se reduza muito devagar, será necessário aumentar imposto. Não tem jeito. Mas vai aumentar imposto num outro ambiente, em que a economia já estará melhorando.
Valor: Como o sr. avalia o projeto que limita o crescimento de gastos?
Figueiredo: Eu gosto, porque pela primeira vez na história nós vamos enfrentar o problema segurando gasto, e não aumentando receita. É uma proposta em que o Estado resolve o seu problema sem invadir o espaço do setor privado no PIB. O Estado fica menos pesado. Toda vez que o Estado tem que resolver um problema aumentando imposto, é como se você tivesse uma mochila nas costas e colocasse mais um quilo, depois outro quilo. Uma hora você não consegue nem andar com a mochila.
Valor: Em que medida a crise política e as delações no âmbito da Lava-Jato podem afetar a economia?
Figueiredo: É muito difícil dizer. Não é nenhuma novidade que os políticos de um modo geral vão ser afetados. Na minha visão, a reação política não tem como ser diferente de continuar essa agenda.
Valor: A probabilidade de aprovar a reforma da Previdência melhora ou piora?
Figueiredo: O pensamento mais comum é dizer que piora, que fragiliza, que dificulta. Mas na minha avaliação o que vai ocorrer é postergar um pouco a tramitação. Se nós imaginávamos que sem essa questão das delações a reforma da Previdência seria aprovada integralmente na Câmara dos Deputados e no Senado em junho, pode ser que passe em setembro, outubro do ano que vem.
Valor: Como o sr. vê o cenário externo para emergentes, com Donaldo Trump no poder?
Figueiredo: Eu estou bastante pessimista. O mercado está um pouco Poliana em relação ao que Trump vai fazer. Ele tem principalmente no longo prazo um impacto muito negativo. Para mim, o sinal relevante é o setor externo, principalmente o relacionamento com a China. O relacionamento com o México ou com outros tratados menores é uma coisa pequena para os EUA, com impacto menor para o mundo. Mas, se ele entrar num confronto maior com a China, essa questão se torna mais global.
Valor: Poderia haver uma guerra comercial entre os dois países?
Figueiredo: É, pode ser. Vai dar muito problema. E eu acho que ele vai querer ir nessa direção, infelizmente. O mercado está anestesiado, olhando para o lado bom de Trump, que é a redução de impostos, o esforço para fazer a economia americana crescer.
Valor: Uma política fiscal mais expansionista pode fazer o Fed elevar mais os juros. Como isso vai afetar os emergentes como o Brasil?
Figueiredo: A curva de juros americanos tem muito para subir ainda. A taxa dos títulos do Tesouro de dez anos está em 2,55% e pode chegar entre 3% e 3,5% ao ano. Se o processo for lento, o mercado se acomoda, os países emergentes se acomodam. Se o processo for mais rápido, haverá mais volatilidade. O ambiente externo na margem é negativo para o Brasil. Ele é negativo para a globalização e negativo para o Brasil. Mas o Brasil é um país ainda fechado e as contas externas estão muito bem arrumadas, estruturalmente tem um balanço de pagamentos positivo. O Brasil não é aquele candidato a ser o mais afetado, como o México, por exemplo. Os próximos dois anos não dependem única exclusivamente, mas uns 80%, do que nós fizermos aqui. Nós estamos muito longe da normalidade, ou da superfície, para dizer que o mundo vai nos afetar demais.
Fonte: Valor Econômico