Sob pressão, Exército faz ações em série e patrulha pontos turísticos do Rio :: 28/03/2018 (09:27:21)
Sob pressão para apresentar resultados da intervenção federal na segurança pública do Rio, as Forças Armadas mudaram de estratégia e fazem, nesta terça-feira (27), uma série de ações...

Sob pressão para apresentar resultados da intervenção federal na segurança pública do Rio, as Forças Armadas mudaram de estratégia e fazem, nesta terça-feira (27), uma série de ações diferentes ao mesmo tempo: operação contra roubo de carga, patrulhamento ostensivo, varredura em presídios e inspeções em batalhões da Polícia Militar.

É o maior efetivo empregado em operações desde o início da intervenção. Só no conjunto de favelas do Complexo do Lins, na zona norte, cerca de 3.400 militares atuam para combater o roubo de carga. Até as 15h não havia balanço das ações. 

Os militares também fazem uma varredura no presídio Bangu 3, na zona oeste, onde estão detidos líderes do Comando Vermelho. Mesmo presos, eles continuam comandando a facção. O objetivo é apreender materiais ilícitos ou não autorizados, como telefones celulares, antenas e roteadores.

Em paralelo, homens reforçam o patrulhamento em áreas turísticas e movimentadas da cidade, mas o efetivo empregado é pequeno —seisviaturas da Polícia do Exército espalhadas pela cidade.  A intenção é dar visibilidade ao trabalho dos interventores.  Há, por exemplo, uma equipe da Polícia do Exército em frente ao hotel Copacabana Palace, na praia de Copacabana. 

"Mal vi que estavam aqui. Não mudou nada na segurança. Já estava ruim e continua assim", diz o vendedor João Carlos dos Santos, 38, que trabalha na avenida Presidente Vargas, onde uma viatura atuou nesta manhã.

Os outros pontos selecionados foram a avenida Rio Branco, também no centro, e a e orla de Botafogo, na altura do Botafogo Praia Shopping

Também acontecem inspeções em três batalhões da Polícia Militar: Batalhão de Polícia de Choque, no centro, Batalhão de Ações com Cães, na zona norte, e Grupamento Aeromóvel, em Niterói, na região metropolitana.

No Complexo do Lins, houve tiroteio quando integrantes do Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), grupo de elite da Polícia Civil, entrou numa das comunidades do complexo e deu início a um tiroteio. A Polícia Civil também cumpre mandados de prisão na favela. 

A estrada Grajaú-Jacarepaguá, uma das vias mais movimentadas da cidade, está fechada. Segundo o CML (Comando Militar do Leste), a ação envolve cerco, estabilização dinâmica da área e desobstrução de vias. O espaço aéreo da região foi fechado.

No ano passado, o Exército realizou uma operação semelhante no Complexo do Lins e não obteve sucesso. A operação vazou e traficantes da região conseguiram fugir das comunidades.

O Complexo do Lins é uma das regiões mais violentas da cidade. Além do tráfico de drogas, bandidos da região também praticam roubos de cargas e veículos na região. 

Quarenta dias depois da nomeação do general do Exército Walter Braga Netto como interventor, a situação do Rio permanece distante da promessa do presidente Michel Temer (MDB) de restabelecimento da ordem. 

Só no último final de semana foram ao menos oito mortos na Rocinha e cinco jovens assassinados em Maricá, na região metropolitana do Rio.

Para agravar a situação, uma vereadora foi morta a pouco mais de um quilômetro do quartel-general da intervenção federal, num crime aparentemente premeditado, com repercussão internacional, e sem solução até agora.

Segundo pesquisa Datafolha feita na semana passada, a intervenção tem apoio de 76% dos moradores da cidade do Rio. A maioria, porém, avalia que a ação do Exército até agora não fez diferença no combate à violência (71%).

RUMO

O interventor atua como chefe das forças de segurança —na prática, é responsável tanto pela Segurança Pública como pela Administração Penitenciária, com PM, Civil, bombeiros e agentes carcerários sob seu comando.

O principal exemplo da atual falta de rumo da intervenção é a favela Vila Kennedy, na zona oeste do Rio, anunciada como uma espécie de laboratório da intervenção.

A experiência durou pouco, e as Forças Armadas anunciaram que irão deixar a favela antes de conseguir capturar chefes do tráfico local ou aprender quantidade representativa de armas e drogas.

No período de um mês na região, os militares protagonizaram uma corrida de gato e rato com bandidos, que colocavam de noite as barreiras retiradas de dia pelas tropas.

A estratégia dos interventores para enfrentar os criminosos é nebulosa, mas uma das pistas é que descartam ocupar comunidades de forma permanente, como ocorreu na Maré em 2014 e 2015.

Outra promessa é reequipar as polícias do estado, mas tanto PMs como policiais civis seguem trabalhando com armamento obsoleto e sem combustível para viaturas.

A falta de estrutura ajuda a tornar os agentes vítimas da criminalidade. Já são 31 PMs mortos neste ano —média de um a cada três dias. Em igual período de 2017, foram 39 mortos —134 no ano todo.

Crime de maior repercussão desde que começou a intervenção, a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, completará duas semanas nesta quarta (28) sem resultados concretos da investigação —até aqui, nada se sabe sobre os criminosos e a motivação do crime.

MODELO

Segundo a socióloga Maria Isabel Couto, pesquisadora de segurança pública do instituto Iser, a atuação das forças repete modelo de décadas atrás, sem sucesso.

 
 
 
 
 

O ineditismo da medida atual, diz, é acompanhado de antigas práticas, como cerco a favelas, revistas a moradores e foco no tráfico de drogas no varejo e em regiões pobres. 

“Do ponto de vista estratégico, não é diferente do que vemos há 30 anos no Rio”, afirma. “Há um aumento da repressão e a militarização da vida cotidiana nas áreas pobres, apenas, e estão tentando resolver o problema dando o mesmo remédio que sempre deram”, completa.

Para Ignácio Cano, do Laboratório de Violência da Uerj, a intervenção não tem tempo nem condições políticas de melhorias significativas.

Ele diz ver os militares sem rumo e improvisando. O melhor que o interventor poderia fazer, diz, seria a polícia reavaliar a política de operações para tentar reduzir o número de confrontos e, consequentemente, de feridos e mortos, e aumentar o patrulhamento para inibir crimes de rua.

Cano afirma não acreditar que a solução seja tentar tomar as favelas mais conflagradas. “Se entrarem, vão ocorrer muitas mortes.”

Até agora não há estatísticas oficiais que possam medir os índices de criminalidade em meio à intervenção.

Venâncio Moura, diretor de segurança do Sindicarga (Sindicato de Transporte de Cargas do Rio), afirma que a sensação é de que os roubos de carga, importante foco da intervenção, não reduziram.

“O que vemos é que os ladrões de carga não se intimidaram com a intervenção”, disse Moura, que é coronel da reserva da PM. Ele vê as ações do Exército nas vias expressas com impacto pontual. “Os militares vão embora no fim da tarde e tudo volta outra vez.”

RESULTADOS EM MESES

O Gabinete de Intervenção Federal afirmou, por meio de nota, que as ações seguem estratégia traçada pelo interventor e que os primeiros resultados serão sentidos nos próximos meses.

Ele disse que estão sendo implementadas ações “emergenciais e estruturantes” para reduzir “progressivamente” os índices de criminalidade e fortalecer as polícias e a moral dos policiais.

Os generais no comando da secretaria de Segurança Pública evitam dar declarações públicas. No assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), optaram por se manifestar por nota.

O interventor Braga Netto falou publicamente uma vez desde que assumiu —assim como Richard Nunes, general secretário de Segurança.

Em nota, o gabinete de intervenção listou feitos da gestão e afirmou que os diversos atores das forças de segurança do Rio trabalham de forma integrada.

Ele destaca entre as medidas a “mudança de comando dos órgãos de segurança pública dentro do critério da meritocracia”, a “interlocução com diferentes segmentos dos setores públicos, privados e da sociedade civil organizada” e a “recomposição das finanças” para saldar passivos, assegurar pagamentos e investir em melhorias.

O gabinete cita também  a “criação de modelo de ações sociais para ser aplicado em comunidades”, a “recomposição de efetivos e ampliação da frota de viaturas para aumentar policiamento ostensivo” e a “mobilização e integração com forças de segurança federais e de outros estados”.

Na última terça-feira (20), fabricantes brasileiras de armas doaram 100 fuzis e 100 mil munições às forças de segurança do Rio.

Nos próximos dias, o Exército doará para a PM três veículos blindados usados na missão do Haiti. 

Batalhões da PM foram vistoriados pelos interventores. Os militares destacam ainda apoio a uma ação social na Vila Kennedy para tirada de documentos e assistência odontológica que fez 13 mil atendimentos.

ENTENDA A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO

O que é a intervenção federal?
Um poder excepcional que permite que a União interfira nos estados em alguns casos. A intervenção está prevista na Constituição de 1988 e, desde então, essa é a primeira vez em que é usada. Na prática, no Rio, o interventor Walter Souza Braga Netto assumiu o controle da Secretaria de Segurança Pública e das polícias, mas sem estar subordinado ao governo do estado.

Qual o é o objetivo da intervenção?
Reduzir os índices de criminalidade e recuperar a estrutura e eficiência das polícias Civil e Militar do estado.

A intervenção tem um plano de ação?
Oficialmente, ele não foi apresentado. Até o momento, a intervenção fez cercos em favelas com o apoio de militares da Forças Armadas e com a polícia. Também houve vistoria em presídio e bloqueios em estradas de acesso ao Rio.
A favela da Vila Kennedy, na zona oeste, foi alçada a laboratório, com patrulhas diárias dos militares. Após um mês de operações, porém, o governo anunciou que pretende deixar a comunidade até o início de abril. 

A intervenção foi decidida às pressas pelo governo Temer?
Ao que tudo indica, sim. O interventor, depois de nomeado, levou uma semana para escolher sua equipe. 

Desde quando as Forças Armadas estão no estado?
Em 28 de junho, as Forças Armadas receberam autorização presidencial para atuar na segurança pública do Rio. O arcabouço jurídico para isso foi um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

Os militares têm prazo para deixar o estado?
A intervenção irá durar até 31 de dezembro, segundo decreto do presidente Temer. Para continuar, terá de ser decretada pelo próximo presidente do país, a ser eleito neste ano.

Qual é a situação do Rio em comparação a outros estados do país?
Apesar da escalada de violência no Rio, que atingiu uma taxa de mortes violentas de 40 por 100 mil habitantes no ano passado, há estados com patamares ainda piores. No Atlas da Violência 2017, com dados até 2015, Rio tinha taxa de 30,6 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 58,1 de Sergipe, 52,3 de Alagoas e 46,7 do Ceará, por exemplo.

A polícia já tem pistas dos assassinos da vereadora Marielle?
A polícia ainda busca indícios do caso. Por enquanto, publicamente, sabe-se que Marielle foi seguida após participar de debate sobre racismo no dia do crime. 

Fonte: Folha de S.Paulo